Aline Fantinatti

“Esta, é mais uma edição do diário de bordo de Lucas Silva e Silva. Falando diretamente do Mundo da Lua.”

Minha cabeça no mundo da lua era um dos meus traços mais notórios quando criança. A família guarda relatos no mínimo muito bem humorados sobre minhas distrações e esquecimentos. Filha única até os oito anos de idade, eu usava o arsenal de estórias e personagens de gibis, livros, filmes e desenhos animados para construir narrativas fantásticas no território da minha imaginação. A maioria das histórias, falavam sobre alcançar outros planetas, outros mundos. No limite imposto pela realidade, eu queria voar para muito longe, investigar códigos estrangeiros de conduta, acessar universos misteriosos. Alguns elementos mais factíveis desses roteiros estrelados por uma Indiana Jones galática acabaram por tomar forma em minhas decisões pessoais, como a de estudar relações internacionais.

A jornada com contornos de ficção científica estendeu-se durante início da minha carreira. Um desejo latente por aventura, acima de qualquer ambição, me levou a impensáveis recônditos. Onde ninguém me imaginaria, era lá que eu queria infiltrar-me e reportar segredos, formular estratégias, desenhar um cenário inimaginável para a maioria das pessoas. Foi assim que me tornei uma das poucas mulheres a trabalhar em segmentos duros e masculinos, que operam atrás de um véu costurado entre grandes discussões políticas, guerras, alianças e muita propaganda. Circular por tanto tempo nas indústrias de extração de petróleo e de material bélico, em posições estratégicas, ampliou todos os limites da minha visão sobre o mundo. Ao longo do tempo, e do meu amadurecimento, as relações de interesses e a estrutura das forças de poder ficaram escancaradas. Era difícil voltar minhas costas para o mundo e continuar vivendo dentro de uma bolha com opções pré-formatadas de planos individuais: casa, casamento, filhos.

No entanto, permanecia latente o entusiasmo de observar as relações humanas e de expor desequilíbrios de poder. Eu estava enfurecida. E eu sentia vontade de provocar, de mexer com as pessoas. Como podemos seguir inertes? Não é à toa que a pornografia foi meu primeiro objeto de estudo como pesquisadora independente. Durante meu processo de pesquisa, fui apoiada por pessoas talentosíssimas que queriam construir uma nova percepção das relações humanas através de novas referências visuais sobre o sexo. Comunicar minhas experiências e minhas descobertas através de textos e discussões serviu-me as minhas armas. Ejaculação feminina, filmagem de filmes pornô, cursos de twerking. Minhas concepções de gosto e a relação com o meu corpo foram desconstruídas neste percurso e toda forma de me relacionar com o mundo e até mesmo meu alinhamento político foram radicalmente transformados.

Determinada a continuar fiel à minha forma de encarar a vida, eu usei o humor e o sexo para comunicar minhas descobertas a outras mulheres. Estabelecer uma conduta mais livre em nossa relação com o sexo, e também em nossa subjetividade de mulher, toca em dimensões nada óbvias. Em um momento de tanta polaridade como o que vivemos, é muito difícil falar de questões políticas e sociais sem que lhe virem as costas ou simplesmente passem a lhe atacar. Surpreendentemente, o sexo se mostrou um elo com potencial de unir mulheres com posições muito diferentes em torno de temas que extravasam o orgasmo, o pornô e os vibradores. A forma como o sexo se manifesta em mídias visuais, nas relações sociais e pessoais, nas instituições e no próprio discurso traz para a luz questões que não estamos dispostas a observar: igualdade social, privilégios, a prevalência de ideais de beleza que alimentam engrenagens de indústrias inteiras, entre outras coisas para lá de cabeludas.

Depois de um ano e meio empreendendo pesquisas independentes sobre igualdade de gênero, sexo e pornografia, eu decidi que queria me munir de ferramentas para gerar reflexão de forma sistêmica e aterrada em alguns métodos. Certa de que esses métodos devem se assentar na expressão criativa e na produção cultural, me inscrevi no mestrado de Curadoria e Crítica de Design da Design Academy Eindhoven, na Holanda. E aqui estou, exercitando ferramentas e formatos para comunicar minhas narrativas. Já não me encanto com alienígenas, mas com os contornos complexos do nosso próprio tempo e dos nossos territórios.

 

 

Pornografia, feminismo, liberdade e tolerância

Em 2016 comecei minha jornada com a organização de um debate – hoje teria até a cara de pau de chamar de simpósio – sobre pornografia e feminismo. A repercussão do evento, tanto boa quanto terrível, me motivou a aprofundar minhas reflexões. Criei um repositório dos meus textos e dos meus achados chamado Porneaux: um grupo que promoveu questionamentos sobre o corpo e a sexualidade feminina durante mais de um ano. As respostas das participantes falavam de transformação pessoal, de superação de traumas e de reconstrução da auto confiança.

Hoje, por meio do mestrado, tenho pesquisado formas tangíveis de conceitos muito abstratos, mas ainda próxima às questões da sexualidade. Montarei uma instalação para reproduzir mimicamente os mecanismos das tecnologias de reconhecimento ótico e de câmeras descritivas, a fim de questionar a confiança atribuída às tecnologias de IA que têm o objetivo de interpretar imagens com linguagem de texto. Além disso, trabalho no conceito de uma exposição que busca a verdade sobre o discurso holandês de tolerância e liberdade. O que será que permitiu a existência de ícones culturais como o Red Light District e a fama dos holandeses de serem extremamente abertos para falar de sexo? Vou contando para vocês aí!

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